segunda-feira, 15 de março de 2010

VOU DAR UM TEMPO...

“Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis e o Big Brother 11, 12,13,14,15... eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas”

Não sei se vocês lembram, mas escrevi uma crônica cujo título é “Os filhos de FHC e Lula, e outras águas”. Tá aqui no arquivo. Eu falava de uma entrevista que Cony concedeu a Mauricio Melo Junior, na TV Senado.

Peço licença, e reproduzo um trecho: “Em determinado momento da entrevista, antes de discorrer sobre Memórias de um Sargento de Milícias, Cony estabelece a diferença entre o cronista e o romancista. Segundo o autor de Pilatos (um livro histórico), o primeiro é peixe de aquário, ele está ali para soprar amenidades no ouvido do leitor passageiro. Podemos encontrá-lo nas ante-salas de consultórios dentários ou no hall de entrada de churrascarias de gosto duvidoso, e geralmente carne de primeira. O cronista é uma distração. Ele afaga, decora o ambiente. Um fofoqueiro de luxo. Uma comadre remunerada. Nunca tem uma tese; se faz e ganha o pão no reino das generalidades, dos palpites. Uma exceção óbvia e ululante me vem à mente: Nelson Rodrigues – esse é outro papo”.

“E o segundo é peixe cascudo, de águas profundas, vive e produz isolado: não faz nenhuma questão de ser bonitinho e piscar luzinhas coloridas para o deleite de sua audiência, aliás, ele dispensa a tal audiência. Escreve apesar dos poucos leitores que o admiram, apesar dele mesmo. Com ele, não tem lero-lero. O cara é ambicioso e intratável. O negócio dele são os desvãos da alma, os vôos tonitruantes sobre abismos infernais. Um pé no saco. Claro que também há exceções, e é claro que o mesmo sujeito pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: os exemplos são numerosos, a começar pelo próprio Cony. Diferenças estabelecidas, posso dizer o seguinte: não é raro que o cronista atrapalhe o trampo do romancista e vice-versa. Sobretudo se ele for a mesma e problemática pessoa. Está acontecendo isso comigo, aqui e agora. Depois de 90 crônicas publicadas no Congresso em Foco, com apenas duas brevíssimas interrupções ao longo de quase dois anos, sinto que o parafuso está dando uma espanada. Ou eu faço uma coisa ou faço outra. Ou faço as duas coisas pela metade”.

Pilatos é um livro histórico porque é o pai do besteirol no Brasil, leiam.

E depois, confesso, estou um pouco frustrado. Não só com os desdobramentos dos acontecimentos, que de certa forma são previsíveis. Mas com minha própria ingenuidade. De nada adiantou e de nada adiantará me esgoelar aqui no Congresso em Foco. Vocês viram a capa – outra vez eles se superaram... – da Rolling Stone deste mês? Se Hitler, Stalin ou qualquer carniceiro do século vinte atuasse hoje em dia, estaria escovando os mesmos dentes podres que Bial escova na capa desse lixo de revista. Dá um desânimo danado acompanhar 70 milhões de pessoas votando nessa merda chamada Big Brother. Qual a diferença dos campos de extermínio nazistas? Nenhuma. Ou talvez o B.B.B seja mais nefasto, porque manda a consciência de milhões para uma câmara de gás que não passa de uma pegadinha... pensando bem, os corpos sarados do BBB não são muito diferentes dos esqueletos produzidos pelos nazistas: porque o método de aniquilar as almas é o mesmo. Chega uma hora que enche o saco. Pra dona Lindu que o pariu o Lula e suas metáforas e comparações abjetas. O presidente boca de esgoto, o estadista sem frase. Não bastasse, em fevereiro tem comercial de cerveja, carnaval, o diabo. Me sinto um tonto, gritando, reclamando toda semana pra quê?

Na verdade, o que eu queria era revirar o mundo do avesso e falar com os meus amigos ao mesmo tempo. Mas isso não consegui, e jamais conseguirei.

E essa sensação de gritar no deserto já me acompanha há um bom tempo. Vejam só o que escrevi em 2004, no falecido site da Aol:

“O que eu quero dizer é que não adianta nada escrever aqui, nem em lugar nenhum. Ou, por acaso, adiantou alguma coisa falar em Big Brother, dizer que aquilo é um zoológico nefasto e desejar ter dois filhos retardados com Antonella? Nada, não adiantou nada. O Big Brother tá lá, firme e forte, a gringa me enfeitiçou para sempre e, dentro de alguns meses, Sílvio Santos vai enfiar sua Casa dos Artistas 5 ou 6 goela abaixo da minha realidade derrotada. De que adiantou falar do oba-oba que se fez quando do lançamento do livro do Chico Buarque? Nada, absolutamente nada, o livro é um sucesso de vendas e provavelmente ganhará um monte de prêmios e medalhas, Daniel Piza continuará despejando aforismos “pequenas empresas, grandes negócios” na cabeça de todo mundo, todo domingo no Estadão. Alguma providência foi tomada pelo Ministério Público quanto às barbies anoréxicas? O que adianta esculhambar e reiterar a esculhambação? Os tribalistas e todos os desdobramentos sensuais e odaras do coronelzinho de Santo Amaro da Purificação são tão certos na próxima temporada quanto as enchentes no Jardim Pantanal e a cara feia dos manos do rap. De nada adiantou estrebuchar, lançar pragas e trovoadas em cima de lugar nenhum. Acho que é isso. Nem vou falar do Ed Motta. Estou perdendo meu tempo e gastando o tempo de vocês, leitores, que, toda quinta ou sexta-feira, vêm até aqui para ver onde cairá a próxima bomba. Eu vos digo: no Ed Motta ou em lugar nenhum, dá na mesma. Sou um crédulo, este é meu problema. Um bobalhão apartado de si mesmo que imaginou ter duas lésbicas deslizando sobre o calçadão do Leblon somente para o meu regozijo e o consumo do Takeda, um japa amigo meu que é chegado nesses lances e que, além de persuasivo e discretamente camicase, adora comer um frango a passarinho e discorrer sobre adagas e mutilações genitais amiúde... Sei lá, é mania dele falar desses assuntos enquanto chupa asinhas de frango a passarinho. Escrevo para o Takeda, pro Mário e pro Nilo, pros meus amigos... E se o Lísias, que mais do que amigo é também meu ideólogo de plantão, achar que tá bom, pra mim tá ótimo.

A grana que recebo é decente (descontados os impostos escorchantes....) mas não me livrou dos ônibus lotados nem dos congestionamentos de São Paulo, tampouco me ajudou a comprar mulheres melhores do que aquelas que eu consumia (com a mesada da mamãe) antes de escrever na AOL. Sou um sujeito de hábitos simples, quase um monge, nem cama eu tenho, durmo sobre um colchonete furreca e moro numa quitinete na praça Roosevelt, quem quiser me achar e acabar com isso tudo, por favor, vá ao teatro dos Satyros que fica na mesma praça, veja o Hotel Lancaster do Bortolotto, e pergunte ao Loureiro, que é o diretor do Hotel..., por mim: é a coisa mais fácil de se achar. Mas vá armado que eu costumo reagir.

Depois da peça, estou lá. Triste e amargurado, nem sei por quê. À espera da mulher que idealizei desde os meus doze anos de idade e que jamais aparecerá, estou lá, eu, minhas bochechas e minhas olheiras, assim meio que cambaleante, uma parte mussarela e a outra metade calabresa... Sobretudo convencido de que não adiantou nada estrebuchar, escrever quatro livros geniais e, agora, estas crônicas acima da média; não comi ninguém por causa / nem apesar disso e, quero dizer que sou uma besta quadrada e que, daqui pra frente, tudo o que eu fizer vai ser feito deliberadamente em vão — como se isso fosse possível...”.

Quem levou o tiro foi o Bortolotto, que graças a Deus está se recuperando e passa bem. De resto, basta somar onze livros geniais, trocar a Casa dos Artistas pela Fazenda do bispo Edir, e Ed Motta por Mano Brown , trocar São Paulo pelo Rio e o colchonete furreca por uma cama de casal e... voilà! A mesma merda. Tudo bem que minha vida deu uma melhoradinha, mas continuo desanimado como sempre. Em 2004 – como vocês podem conferir - eu já andava desiludido com toda essa merda, e achava que as coisas só iam piorar, e pioraram muito. Na sexta-feira um fanático matou Glauco e Raoni, seu filho. Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis e o Big Brother 11, 12,13,14,15... eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas, enquanto isso não acontece, me recolho ao silêncio dos abismos marinhos e vou viver minha vida de peixe cascudo, mas eu volto. Obrigado pela audiência, e abraços a todos.





*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.





Não sei se vocês lembram, mas escrevi uma crônica cujo título é “Os filhos de FHC e Lula, e outras águas”. Tá aqui no arquivo. Eu falava de uma entrevista que Cony concedeu a Mauricio Melo Junior, na TV Senado.

Peço licença, e reproduzo um trecho: “Em determinado momento da entrevista, antes de discorrer sobre Memórias de um Sargento de Milícias, Cony estabelece a diferença entre o cronista e o romancista. Segundo o autor de Pilatos (um livro histórico), o primeiro é peixe de aquário, ele está ali para soprar amenidades no ouvido do leitor passageiro. Podemos encontrá-lo nas ante-salas de consultórios dentários ou no hall de entrada de churrascarias de gosto duvidoso, e geralmente carne de primeira. O cronista é uma distração. Ele afaga, decora o ambiente. Um fofoqueiro de luxo. Uma comadre remunerada. Nunca tem uma tese; se faz e ganha o pão no reino das generalidades, dos palpites. Uma exceção óbvia e ululante me vem à mente: Nelson Rodrigues – esse é outro papo”.

“E o segundo é peixe cascudo, de águas profundas, vive e produz isolado: não faz nenhuma questão de ser bonitinho e piscar luzinhas coloridas para o deleite de sua audiência, aliás, ele dispensa a tal audiência. Escreve apesar dos poucos leitores que o admiram, apesar dele mesmo. Com ele, não tem lero-lero. O cara é ambicioso e intratável. O negócio dele são os desvãos da alma, os vôos tonitruantes sobre abismos infernais. Um pé no saco. Claro que também há exceções, e é claro que o mesmo sujeito pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: os exemplos são numerosos, a começar pelo próprio Cony. Diferenças estabelecidas, posso dizer o seguinte: não é raro que o cronista atrapalhe o trampo do romancista e vice-versa. Sobretudo se ele for a mesma e problemática pessoa. Está acontecendo isso comigo, aqui e agora. Depois de 90 crônicas publicadas no Congresso em Foco, com apenas duas brevíssimas interrupções ao longo de quase dois anos, sinto que o parafuso está dando uma espanada. Ou eu faço uma coisa ou faço outra. Ou faço as duas coisas pela metade”.

Pilatos é um livro histórico porque é o pai do besteirol no Brasil, leiam.

E depois, confesso, estou um pouco frustrado. Não só com os desdobramentos dos acontecimentos, que de certa forma são previsíveis. Mas com minha própria ingenuidade. De nada adiantou e de nada adiantará me esgoelar aqui no Congresso em Foco. Vocês viram a capa – outra vez eles se superaram... – da Rolling Stone deste mês? Se Hitler, Stalin ou qualquer carniceiro do século vinte atuasse hoje em dia, estaria escovando os mesmos dentes podres que Bial escova na capa desse lixo de revista. Dá um desânimo danado acompanhar 70 milhões de pessoas votando nessa merda chamada Big Brother. Qual a diferença dos campos de extermínio nazistas? Nenhuma. Ou talvez o B.B.B seja mais nefasto, porque manda a consciência de milhões para uma câmara de gás que não passa de uma pegadinha... pensando bem, os corpos sarados do BBB não são muito diferentes dos esqueletos produzidos pelos nazistas: porque o método de aniquilar as almas é o mesmo. Chega uma hora que enche o saco. Pra dona Lindu que o pariu o Lula e suas metáforas e comparações abjetas. O presidente boca de esgoto, o estadista sem frase. Não bastasse, em fevereiro tem comercial de cerveja, carnaval, o diabo. Me sinto um tonto, gritando, reclamando toda semana pra quê?

Na verdade, o que eu queria era revirar o mundo do avesso e falar com os meus amigos ao mesmo tempo. Mas isso não consegui, e jamais conseguirei.

E essa sensação de gritar no deserto já me acompanha há um bom tempo. Vejam só o que escrevi em 2004, no falecido site da Aol:

“O que eu quero dizer é que não adianta nada escrever aqui, nem em lugar nenhum. Ou, por acaso, adiantou alguma coisa falar em Big Brother, dizer que aquilo é um zoológico nefasto e desejar ter dois filhos retardados com Antonella? Nada, não adiantou nada. O Big Brother tá lá, firme e forte, a gringa me enfeitiçou para sempre e, dentro de alguns meses, Sílvio Santos vai enfiar sua Casa dos Artistas 5 ou 6 goela abaixo da minha realidade derrotada. De que adiantou falar do oba-oba que se fez quando do lançamento do livro do Chico Buarque? Nada, absolutamente nada, o livro é um sucesso de vendas e provavelmente ganhará um monte de prêmios e medalhas, Daniel Piza continuará despejando aforismos “pequenas empresas, grandes negócios” na cabeça de todo mundo, todo domingo no Estadão. Alguma providência foi tomada pelo Ministério Público quanto às barbies anoréxicas? O que adianta esculhambar e reiterar a esculhambação? Os tribalistas e todos os desdobramentos sensuais e odaras do coronelzinho de Santo Amaro da Purificação são tão certos na próxima temporada quanto as enchentes no Jardim Pantanal e a cara feia dos manos do rap. De nada adiantou estrebuchar, lançar pragas e trovoadas em cima de lugar nenhum. Acho que é isso. Nem vou falar do Ed Motta. Estou perdendo meu tempo e gastando o tempo de vocês, leitores, que, toda quinta ou sexta-feira, vêm até aqui para ver onde cairá a próxima bomba. Eu vos digo: no Ed Motta ou em lugar nenhum, dá na mesma. Sou um crédulo, este é meu problema. Um bobalhão apartado de si mesmo que imaginou ter duas lésbicas deslizando sobre o calçadão do Leblon somente para o meu regozijo e o consumo do Takeda, um japa amigo meu que é chegado nesses lances e que, além de persuasivo e discretamente camicase, adora comer um frango a passarinho e discorrer sobre adagas e mutilações genitais amiúde... Sei lá, é mania dele falar desses assuntos enquanto chupa asinhas de frango a passarinho. Escrevo para o Takeda, pro Mário e pro Nilo, pros meus amigos... E se o Lísias, que mais do que amigo é também meu ideólogo de plantão, achar que tá bom, pra mim tá ótimo.

A grana que recebo é decente (descontados os impostos escorchantes....) mas não me livrou dos ônibus lotados nem dos congestionamentos de São Paulo, tampouco me ajudou a comprar mulheres melhores do que aquelas que eu consumia (com a mesada da mamãe) antes de escrever na AOL. Sou um sujeito de hábitos simples, quase um monge, nem cama eu tenho, durmo sobre um colchonete furreca e moro numa quitinete na praça Roosevelt, quem quiser me achar e acabar com isso tudo, por favor, vá ao teatro dos Satyros que fica na mesma praça, veja o Hotel Lancaster do Bortolotto, e pergunte ao Loureiro, que é o diretor do Hotel..., por mim: é a coisa mais fácil de se achar. Mas vá armado que eu costumo reagir.

Depois da peça, estou lá. Triste e amargurado, nem sei por quê. À espera da mulher que idealizei desde os meus doze anos de idade e que jamais aparecerá, estou lá, eu, minhas bochechas e minhas olheiras, assim meio que cambaleante, uma parte mussarela e a outra metade calabresa... Sobretudo convencido de que não adiantou nada estrebuchar, escrever quatro livros geniais e, agora, estas crônicas acima da média; não comi ninguém por causa / nem apesar disso e, quero dizer que sou uma besta quadrada e que, daqui pra frente, tudo o que eu fizer vai ser feito deliberadamente em vão — como se isso fosse possível...”.

Quem levou o tiro foi o Bortolotto, que graças a Deus está se recuperando e passa bem. De resto, basta somar onze livros geniais, trocar a Casa dos Artistas pela Fazenda do bispo Edir, e Ed Motta por Mano Brown , trocar São Paulo pelo Rio e o colchonete furreca por uma cama de casal e... voilà! A mesma merda. Tudo bem que minha vida deu uma melhoradinha, mas continuo desanimado como sempre. Em 2004 – como vocês podem conferir - eu já andava desiludido com toda essa merda, e achava que as coisas só iam piorar, e pioraram muito. Na sexta-feira um fanático matou Glauco e Raoni, seu filho. Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis e o Big Brother 11, 12,13,14,15... eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas, enquanto isso não acontece, me recolho ao silêncio dos abismos marinhos e vou viver minha vida de peixe cascudo, mas eu volto. Obrigado pela audiência, e abraços a todos.



“Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis e o Big Brother 11, 12,13,14,15... eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas”




Marcelo Mirisola*
Não sei se vocês lembram, mas escrevi uma crônica cujo título é “Os filhos de FHC e Lula, e outras águas”. Tá aqui no arquivo. Eu falava de uma entrevista que Cony concedeu a Mauricio Melo Junior, na TV Senado.

Peço licença, e reproduzo um trecho: “Em determinado momento da entrevista, antes de discorrer sobre Memórias de um Sargento de Milícias, Cony estabelece a diferença entre o cronista e o romancista. Segundo o autor de Pilatos (um livro histórico), o primeiro é peixe de aquário, ele está ali para soprar amenidades no ouvido do leitor passageiro. Podemos encontrá-lo nas ante-salas de consultórios dentários ou no hall de entrada de churrascarias de gosto duvidoso, e geralmente carne de primeira. O cronista é uma distração. Ele afaga, decora o ambiente. Um fofoqueiro de luxo. Uma comadre remunerada. Nunca tem uma tese; se faz e ganha o pão no reino das generalidades, dos palpites. Uma exceção óbvia e ululante me vem à mente: Nelson Rodrigues – esse é outro papo”.

“E o segundo é peixe cascudo, de águas profundas, vive e produz isolado: não faz nenhuma questão de ser bonitinho e piscar luzinhas coloridas para o deleite de sua audiência, aliás, ele dispensa a tal audiência. Escreve apesar dos poucos leitores que o admiram, apesar dele mesmo. Com ele, não tem lero-lero. O cara é ambicioso e intratável. O negócio dele são os desvãos da alma, os vôos tonitruantes sobre abismos infernais. Um pé no saco. Claro que também há exceções, e é claro que o mesmo sujeito pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo: os exemplos são numerosos, a começar pelo próprio Cony. Diferenças estabelecidas, posso dizer o seguinte: não é raro que o cronista atrapalhe o trampo do romancista e vice-versa. Sobretudo se ele for a mesma e problemática pessoa. Está acontecendo isso comigo, aqui e agora. Depois de 90 crônicas publicadas no Congresso em Foco, com apenas duas brevíssimas interrupções ao longo de quase dois anos, sinto que o parafuso está dando uma espanada. Ou eu faço uma coisa ou faço outra. Ou faço as duas coisas pela metade”.

Pilatos é um livro histórico porque é o pai do besteirol no Brasil, leiam.

E depois, confesso, estou um pouco frustrado. Não só com os desdobramentos dos acontecimentos, que de certa forma são previsíveis. Mas com minha própria ingenuidade. De nada adiantou e de nada adiantará me esgoelar aqui no Congresso em Foco. Vocês viram a capa – outra vez eles se superaram... – da Rolling Stone deste mês? Se Hitler, Stalin ou qualquer carniceiro do século vinte atuasse hoje em dia, estaria escovando os mesmos dentes podres que Bial escova na capa desse lixo de revista. Dá um desânimo danado acompanhar 70 milhões de pessoas votando nessa merda chamada Big Brother. Qual a diferença dos campos de extermínio nazistas? Nenhuma. Ou talvez o B.B.B seja mais nefasto, porque manda a consciência de milhões para uma câmara de gás que não passa de uma pegadinha... pensando bem, os corpos sarados do BBB não são muito diferentes dos esqueletos produzidos pelos nazistas: porque o método de aniquilar as almas é o mesmo. Chega uma hora que enche o saco. Pra dona Lindu que o pariu o Lula e suas metáforas e comparações abjetas. O presidente boca de esgoto, o estadista sem frase. Não bastasse, em fevereiro tem comercial de cerveja, carnaval, o diabo. Me sinto um tonto, gritando, reclamando toda semana pra quê?

Na verdade, o que eu queria era revirar o mundo do avesso e falar com os meus amigos ao mesmo tempo. Mas isso não consegui, e jamais conseguirei.

E essa sensação de gritar no deserto já me acompanha há um bom tempo. Vejam só o que escrevi em 2004, no falecido site da Aol:

“O que eu quero dizer é que não adianta nada escrever aqui, nem em lugar nenhum. Ou, por acaso, adiantou alguma coisa falar em Big Brother, dizer que aquilo é um zoológico nefasto e desejar ter dois filhos retardados com Antonella? Nada, não adiantou nada. O Big Brother tá lá, firme e forte, a gringa me enfeitiçou para sempre e, dentro de alguns meses, Sílvio Santos vai enfiar sua Casa dos Artistas 5 ou 6 goela abaixo da minha realidade derrotada. De que adiantou falar do oba-oba que se fez quando do lançamento do livro do Chico Buarque? Nada, absolutamente nada, o livro é um sucesso de vendas e provavelmente ganhará um monte de prêmios e medalhas, Daniel Piza continuará despejando aforismos “pequenas empresas, grandes negócios” na cabeça de todo mundo, todo domingo no Estadão. Alguma providência foi tomada pelo Ministério Público quanto às barbies anoréxicas? O que adianta esculhambar e reiterar a esculhambação? Os tribalistas e todos os desdobramentos sensuais e odaras do coronelzinho de Santo Amaro da Purificação são tão certos na próxima temporada quanto as enchentes no Jardim Pantanal e a cara feia dos manos do rap. De nada adiantou estrebuchar, lançar pragas e trovoadas em cima de lugar nenhum. Acho que é isso. Nem vou falar do Ed Motta. Estou perdendo meu tempo e gastando o tempo de vocês, leitores, que, toda quinta ou sexta-feira, vêm até aqui para ver onde cairá a próxima bomba. Eu vos digo: no Ed Motta ou em lugar nenhum, dá na mesma. Sou um crédulo, este é meu problema. Um bobalhão apartado de si mesmo que imaginou ter duas lésbicas deslizando sobre o calçadão do Leblon somente para o meu regozijo e o consumo do Takeda, um japa amigo meu que é chegado nesses lances e que, além de persuasivo e discretamente camicase, adora comer um frango a passarinho e discorrer sobre adagas e mutilações genitais amiúde... Sei lá, é mania dele falar desses assuntos enquanto chupa asinhas de frango a passarinho. Escrevo para o Takeda, pro Mário e pro Nilo, pros meus amigos... E se o Lísias, que mais do que amigo é também meu ideólogo de plantão, achar que tá bom, pra mim tá ótimo.

A grana que recebo é decente (descontados os impostos escorchantes....) mas não me livrou dos ônibus lotados nem dos congestionamentos de São Paulo, tampouco me ajudou a comprar mulheres melhores do que aquelas que eu consumia (com a mesada da mamãe) antes de escrever na AOL. Sou um sujeito de hábitos simples, quase um monge, nem cama eu tenho, durmo sobre um colchonete furreca e moro numa quitinete na praça Roosevelt, quem quiser me achar e acabar com isso tudo, por favor, vá ao teatro dos Satyros que fica na mesma praça, veja o Hotel Lancaster do Bortolotto, e pergunte ao Loureiro, que é o diretor do Hotel..., por mim: é a coisa mais fácil de se achar. Mas vá armado que eu costumo reagir.

Depois da peça, estou lá. Triste e amargurado, nem sei por quê. À espera da mulher que idealizei desde os meus doze anos de idade e que jamais aparecerá, estou lá, eu, minhas bochechas e minhas olheiras, assim meio que cambaleante, uma parte mussarela e a outra metade calabresa... Sobretudo convencido de que não adiantou nada estrebuchar, escrever quatro livros geniais e, agora, estas crônicas acima da média; não comi ninguém por causa / nem apesar disso e, quero dizer que sou uma besta quadrada e que, daqui pra frente, tudo o que eu fizer vai ser feito deliberadamente em vão — como se isso fosse possível...”.

Quem levou o tiro foi o Bortolotto, que graças a Deus está se recuperando e passa bem. De resto, basta somar onze livros geniais, trocar a Casa dos Artistas pela Fazenda do bispo Edir, e Ed Motta por Mano Brown , trocar São Paulo pelo Rio e o colchonete furreca por uma cama de casal e... voilà! A mesma merda. Tudo bem que minha vida deu uma melhoradinha, mas continuo desanimado como sempre. Em 2004 – como vocês podem conferir - eu já andava desiludido com toda essa merda, e achava que as coisas só iam piorar, e pioraram muito. Na sexta-feira um fanático matou Glauco e Raoni, seu filho. Daqui pra frente, ainda teremos terremotos, tsunamis e o Big Brother 11, 12,13,14,15... eleições, Copa do mundo, enfim, eu preciso dar um tempo para poder voltar e reclamar das mesmas coisas, enquanto isso não acontece, me recolho ao silêncio dos abismos marinhos e vou viver minha vida de peixe cascudo, mas eu volto. Obrigado pela audiência, e abraços a todos.





*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.


Marcelo Mirisola*
*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.